segunda-feira, 27 de junho de 2011

Cafezais 3

Benedito (Dito)

 Uma vida escrita pelo riso à meia luz, pela piada que extrapola o momento. O drible que desconcerta o agora e depois do agora. História por detrás da história. Não trouxe nas mãos a habilidade dos colhedores de café. Maturou a vida às sombras das cocheiras e amaciou as raivas no leite morno que escorre das tetas das vacas recém-paridas. Acariciou o tempo com os pés descalços, os mesmos pés que chutaram para as redes fazedoras de emoções as alegrias que movem os sonhos. Desavisado de medos, correu além dos sois, roubou das dimensões infinitas dos cafezais a luz que ilumina o labirinto em que se encenam todas as mágoas. Há ainda um pedaço de riso perdido na soma de todos os dias de Dito.  Intraduzível como o piar alongado dos pássaros notívagos. Misterioso como os olhos dos quatis surpreendidos nos altos das mangueiras amareladas na explosão dos frutos maduros. Alucinante como festa de maritacas em final de tarde. Há ainda outro pedaço de riso escondido, uma piada que ainda não foi contada, um mito de serenidade abrigado no peito e que só se traduz no murmúrio solitário do sono interrompido, da frase inacabada, no eco do grito que não foi gritado, na ânsia desesperadora de ser e de se fazer parte de cada um de nós. Há um Dito quase feliz, outro Dito enigmático, de pura doação, de maestria e desprezo pelo que não se traduz em alegria. Em torno dele pousam as filosofias de fé, as crenças no outro e no que gravita além do universo que os olhos alcançam.   Dito não é trigo, é pão pronto, não é amanhã é o hoje. Não termina em si, prolonga-se muito além de tudo que lhe orbita, é uma explosão silenciosa de vontades contidas na simplicidade dos desejos.  Carrega na alma a idolatria das amizades construídas sob as festas de bola e de cevada, em torno dos discursos improváveis do nada, da festa defumada pelo tabaco, da tosse convulsa de esperanças escritas no horizonte distante onde planam as aves no descanso justo de todos os dias.  Vai, Dito, escrevendo uma vida dividida com outras vidas, repartindo a alegria colhida no calor dourado dos milharais. È pedaço de nós a ser traduzido nas esperanças de todos nós, não apenas o amamos, mergulhamos nele e com ele, num mundo de palavras, de gestos, de risos compartilhados. Permanece nesta história, porque é parte de todas as histórias que fazem esta história. Riremos juntos, com certeza, outros risos.


MAReis

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