quinta-feira, 16 de junho de 2011

Série Retratos de Infância 3

Onde estão?

Sinto falta deles. Sinto mais falta das grandes rodas de garotos formadas em torno deles. A esfera e o cone, geometricamente sólidos, numa combinação perfeita de movimentos de rotação e translação.
Onde os guardaram?
Tirem-nos das gavetas, das caixas esquecidas nos porões, das latas enferrujadas amontoadas em cantos quaisquer. Tirem-nos dos sótãos abandonados. Recolham-nos das velhas memórias e os coloquem em movimento! Queremos vê-los dançar novamente pelos chãos das escolas, das ruas e das praças. Tragam-nos de volta, libertem os piões e seus cordéis! E que o jogo da destreza e do sincronismo entre os lançadores e os objetos lançados voltem a criar as tão amadas rodas de piões.
Quem nunca foi criança que lance o primeiro pião!
Se ainda não adestrado, ele vai rodopiar cambaleante, igual bêbado em noites de São João e cairá num movimento convulso em si mesmo. E na cumplicidade que só há entre possuído e possuidor, será recolhido e novamente, simetricamente enfaixado pelo cordel, será lançado sob os olhares atentos de um grupo de crianças. Agora vai!!! Agora!!! Vai!! Roda pião! Roda pião! Quero ver rodar!! O pião pipoca pelo chão, desequilibrado, balançando, num esforço rotativo, vai traçando uma elipse pelo solo até encontrar um ponto de equilíbrio perfeito, põe se de pé e retilineamente gira em si mesmo sob o aplauso frenético dos espectadores. Inicia-se então, a contagem coletiva do tempo, um, dois, três,... dez,... trinta... E o pião, perdendo a força, entra na agonia do desequilíbrio, vai pendendo para o lado, e sem forças deita-se no chão, e num esforço derradeiro, ainda um ou dois giros para em seguida quietar-se.  
Para mostrar suas habilidades, outro lançador e seu pião reiniciam a aventura dos giros. Nova contagem, novos gritos e novos aplausos.
Há aqueles que vão além do lançar e vê-lo girar. Como animal adestrado, recolhem-nos nas mãos, e sob a admiração coletiva, o pião sempre a girar vai percorrendo os caminhos traçados pelos lançadores. Exploram os dedos, dos mindinhos aos polegares. E o show continua! Sobem paras os antebraços e descem até os peitos e, quando a força de rotação vai começando a enfraquecer, retornam para as mãos de seus adestradores.  
O divertido do jogo de piões não é o ser o melhor, mas as descobertas de novas manobras. Elas nascem no treino individual e depois são socializadas. Quando algo novo é descoberto, ele é demonstrado e compartilhado com amigos da roda, pois no jogo de pião ganha aquele que tem mais a repartir, o ensinar a melhor manobra é o prêmio do participante, pois, além de ter atenção da platéia, tem o tempo da apresentação prolongado.
Onde estão as rodas de piões? Já não as vejo. Sinto falta delas. Quero vê-las à distância e reviver em cada manobra um tempo de mim que ficou perdido em alguma roda de pião.  Dizem que ainda sobrevivem nas pequenas cidades do interior do Brasil. Vamos buscá-las!
 “O pião entrou na roda, roda pião!”
MAReis

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