quinta-feira, 16 de junho de 2011

Crônica 2

Eu me lembro, fui à Lua em 1969.

Fui à Lua em 1969, logo após Neil Armstrong cravar a bandeira americana em solo lunar. Eu e meus amigos, entre eles meu irmão, afinal viagens como estas, que exigem trabalho, confiança recíproca e sigilo absoluto, ficam mais divertidas e prazerosas quando as fazemos com pessoas que gostamos e compartilhamos aventuras. É um espaço onde o nepotismo deve ser exercido a qualquer preço, sem medo e sem pudor. Lá fincamos o pavilhão nacional. Não fomos os primeiros, mas fomos brasileiros a andar por aquelas bandas. Ficamos sabendo, algo nunca confirmado, que os meninos do outro lado da cidade desenvolviam um projeto semelhante. Acho que não seja verdade. O certo é que não os encontramos nem no caminho e nem na Lua.
A nossa viagem não teve cobertura midiática, mas o que nos importa a mídia? O fato é que estivemos lá. Dividimos com os americanos a conquista do espaço, talvez bem antes dos soviéticos, diga-se de passagem. E mais, a nossa conquista foi muito mais emocionante, porque quando pousamos na terra de São Jorge, diferente dos americanos, encontramos seres horripilantes, lagartos gigantes e toda uma gama de seres extraterrestres. Foi uma batalha sideral para vencê-los. Ainda bem que nossos escudos e armas eram extremamente poderosos, apesar de serem construídos com materiais simples e abundantes como cana de milho, caixas de papelão que conseguíamos pelos mercados da cidade, pedaços de borrachas, pneus abandonados e jornais velhos, muito velhos é bom que se diga, àquele tempo não era tão fácil encontrá-los. Ainda bem que meu avô foi um leitor assíduo do antigo Diário de São Paulo. Voltemos aos fatos. Depois de muita luta, e do quase esgotamento de nosso estoque de imaginações, conseguimos finalmente plantar na Lua um pedacinho do Brasil. Uma conquista histórica, injustamente não divulgada. Estratégia nacional, penso.
Apenas eu, Dore, meu irmão, Zé e Júlio, meus amigos de escola e, para ser justo minha irmã, a Zil, participaram e testemunharam a grandiosidade daquele projeto ultrasecreto, tão importante para o Brasil e, quiçá, para o mundo.  A título de esclarecimento, a Zil não viajou à Lua, pois tinha medo de altura, mas foi extremamente importante para os nossos planos, deu-nos todo o apoio em Terra.   A nossa nave tinha algo policarpiano, era muito maior, muito mais colorida, muito mais veloz de que a Apolo 11. Custou-nos horas de trabalho e imaginação. Afinal não tínhamos a estrutura da NASA e os materiais e ferramentas eram infinitamente mais rudimentares e escassos, o que atesta a nossa inteligência superior. As ferramentas, para se ter uma idéia, resumiam-se a um martelo que foi adquirido ao preço de uma boa surra. Júlio o conseguira subtraindo da oficina do pai, que certamente desconhecia o propósito patriótico daquele trabalho. Um velho serrote, presente do meu pai, que resolveu ceder após muito choro do meu irmão, um choro irritante, planejado é claro, mas sempre eficiente. Dore tinha uma habilidade singular para conquistar meu velho, o choro. Havia ainda uma tesoura valiosíssima que chegou as nossas mãos, não sei como, sei apenas que dias mais tarde gerou um certo tumulto entre minha mãe e mãe do Zé, não sei bem que fim teve esta história, mas isto não vem ao caso agora. Fora de grande valia para os cortes de linhas e barbantes que chegavam aos montes doadas por alguma alma bondosa ou adquiridas nas guerras de pipas.  Dezenas de latas vazias de óleo, latas de massa de tomate, garrafas abandonadas, grampos de cabelo, pedaços de mangueiras de jardim e uma série imensa de outros apetrechos que recolhíamos pelas ruas e pelos quintais, todos com funções previamente planejadas, completavam a nossa estrutura tecnológica.   
O lugar secreto onde construímos a nossa nave espacial, secretíssimo, diria Júlio movido por seu gosto exagerado pelos superlativos, foi o quintal da casa dele.  Imenso, tinha de tudo, árvores de todos os tamanhos, pomar, diversas aves e animais, inclusive um velho cavalo pangaré, muito bonito. Muitas vezes peguei-me a imaginar cavalgando nele nas minhas fantasias de mocinho e bandido. A Aquiles 5, assim fora batizada a espaçonave, após um verdadeiro concílio de Trento, pois o nome veio de uma extensa consideração do Zé,  sempre muito afeito a estudar as origens dos nomes. Ele exalava um certo eruditismo, certamente o recebera dos pais professores. Convenceu-nos que Apolo vinha da mitologia grega, portanto devíamos, por uma questão de coerência espacial, buscar o nome de nossa máquina voadora na mesma fonte. Antes que Zé enveredasse por um discurso sem fim sobre as entidades mitológicas, resolvemos por unanimidade aprovar o nome sugerido, não tínhamos, naquela época, tempo a perder com considerações de tão grande ordem. Nome esclarecido, a nave novamente.
Verdade seja dita. Ela já estava praticamente pronta, a engenharia da natureza se encarregara de fazê-la. Tratava-se de uma imensa mangueira cuja copa espalhava-se em torno do caule, formando uma sombra circular de dez metros de diâmetro aproximadamente. Ela estava lá e lá estávamos nós. Havia uma vontade desesperadora de voar além dos muros de nossas casas. O mundo falava da conquista da Lua e nós pensávamos em ir à Lua. Era uma vontade repartida, uma idéia que não se cabia em nós, uma imaginação coletiva. Mãos à obra, “um por todos, todos por um”. Faltavam apenas detalhes. Foram horas de trabalho árduo, não lembro quantas, mas foram muitas. Rapidamente, começaram a surgir os painéis de vidro, poltronas de tábuas velhas, luzes de garrafas, radiotransmissores de latas de massa de tomate ligadas por linhas de costura, bandeiras de lençóis rasgados, manoplas retiradas de uma bicicleta fora de uso, uma tampa de panela velha virou volante, madeiras abandonadas e prontas para aquecer o forno á lenha transformaram-se em escadas de acesso aos diversos pavimentos, e... Ufa!!!
Tinha uma admiração particular pelo painel de vidro, não apenas porque trabalhei com muito empenho na sua construção, era o efeito de luzes que ele proporcionava o que mais me atraia. Alguns raios de sol escapavam pela copa da mangueira e se chocavam com painel, replicando -os em dezenas de pontinhos luminosos sobre as folhas, criando uma imagem perfeita para os nossos ideais.
O nosso trabalho não se esgotava em Aquiles, prolongava-se, a última imagem antes de adormecer era ela e o que faltava nela. Nas aulas, não se falava de Aquiles, mas havia uma cumplicidade nos olhares trocados, ansiedade, taquicardia, quase angústia. Enfim, quando o sinal do término das aulas tocava, acontecia uma explosão de alegria em forma de planos. Não percamos tempo. Estejamos lá na hora marcada, o tempo urge. Partiremos amanhã rumo ao espaço que nos levará a casa do dragão de São Jorge.
Refeições mal digeridas e contestadas pelo afã materno. 
- Pelo amor de Deus, mãe, já não temos fome, comemos imaginação!!
Lá estava a Aquiles 5. Ficara pronta, exatamente dois dias depois dos americanos pisarem na Lua. Estávamos em uma missão de vida e morte, a serviço do futuro espacial brasileiro.  Deixaram-nos partir, deixaram-nos imaginar. Criamos a nave que nos levou para viagens inenarráveis pelo universo de nossas fantasias. Inventamos outros mundos, inventamos outros amigos e conhecemos a Terra lá de cima. O combustível!!!  I MA GI NA ÇÃO!!!
Não fomos os primeiros a chegar à terra do dragão, mas nós chegamos à Lua e cumprimentamos São Jorge. A viagem até lá, no infinito de nossa infância, foi uma aventura indescritível. A Terra é azul, tão azul quanto o direito de ser criança.   
E você, já foi à Lua?  

MAReis   

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