quinta-feira, 16 de junho de 2011

"Repentinamente 2"

Lucidez

...Onde começa está história? Não sei. Talvez ela não tenha começo e o fim ficará para outros contarem, pois ela nasce e morre a cada instante dentro e fora de mim. Renasce na infinidade das imagens, dos sons e dos espaços percorridos ao longo da minha estada neste universo de verdades e mentiras que sem querer acabei construindo. Ela recomeça em cada amigo e em cada inimigo que minhas palavras conquistaram em cada dia de minha experiência como um homem a mais entre bilhões de outros cujas histórias, muitas vezes, confundem-se e são compartilhadas. Filosofia?  Não. Angústia! Angústia de não saber por onde começar está história que não é só minha, mas de muitos outros.
Então que sejamos breve nesta angústia. Comecemos por um sorriso. A última imagem que restou dela em mim. Luana, meu amor! Não sei se vive. Se viver, certamente esta história não termina aqui. Há o incontrolável medo de ter sido apenas um ponto no infinito da vida de Luana. Não quero, e tenho o direito de ser mais que um ponto, mais que uma parte. Em matéria de amor sou egoísta, desejo o todo e o tudo. Em matéria de amor sou uma verdade absoluta. Não me dispo e nem me convenço do contrário. Egoísmo? Muito mais! O amor não nasceu em mim para ser repartido. São meus os olhares da pessoa amada! São meus todos os gestos, todas as palavras, todos os risos e todos os riscos! Se quiseres flores.  Eu as escolherei para ti. Se quiseres bebida que lhe faça mais viva e mais alegre. Eu a servirei na mais bela taça que eu mesmo lapidarei e que jamais nenhum outro Baco além de mim há de tocá-la. Em matéria de amor sou muito não e pouco sim. Não cultivo e nem cativo a pessoa amada, cultuo-a em mim e para mim! Eis porque vivo a colecionar sorrisos. Sorrisos tão enigmáticos! Cheios de adeus.... 
Tudo poderia ter sido diferente.  E, hoje, eu seria diferente. Teria mais que um sorriso para começar esta história, teria Luana inteira, bem aqui, ao meu lado, soprando cada palavra, cada vírgula.
Perdi Luana em 1997. Precisamente no carnaval de 1997, ás 22h16 minutos no salão de bailes do Marques Tênis Clube. 
-Vou ao banheiro, disse-me ela ansiosa.
O salão estava cheio. Nunca suportei lugares cheios. O frenesi das luzes provoca-me insegurança.  
-Te acompanho até a porta. Ofereci-me, quase exigi.
-Por favor, não! Peça um suco, estou morrendo de sede.
Acreditei,  aquilo fora quase uma súplica. Olhei o relógio para ter certeza do tempo que ela gastaria para ir ao banheiro. Cinco minutos é o suficiente! Vai lá oito minutos! Nem um segundo a mais! Fui ao balcão, desesperado com o tumulto. Geralmente sou educado, respeito filas, mas tratava-se de um caso de urgência. Tratava-se de Luana. Furei a fila. Houve um pequeno tumulto logo controlado pela segurança do clube. Pedi um suco de laranja. Uma eternidade para ficar pronto. Quase 5 minutos. Protestei, absurdo, falta de preparo dos funcionários, incompetência! Deixei claro que em ocasião propícia voltaria para registrar meu descontentamento. Voltei apressado, quase correndo, atropelando inconvenientes pelo caminho. E como era longo o caminho!  Ufa! Finalmente cheguei. Cadê Luana?  Cadê Luana?!!! Esperei outros infinitos cinco minutos! Quis invadir o toalete feminino! Fui impedido, humilhado por gorilas travestidos de seguranças! Despreparados, insensíveis, incapazes de perceber o meu desespero! Odeio todos eles. Suei, atirei longe o copo de suco, xinguei, vomitei toda ira que se acumulou em mim. Som, luzes, vozes, risos, aplausos, centenas de olhos dirigidos para um quadro dantesco. Para mim!? Não, para meu desespero. Um leão faminto urrando a dor da perda. Acoitado pela pelo prazer mórbido do desespero, prazer inconfessável da turba. O homem só é covarde, é solidário, é humano, mas ali não estivera o homem, ali estivera a multidão, momento de reverenciar o sangue, o medo e a angústia do só e aplaudir a dor alheia. Misturam-se as águas que minam do corpo. Suor, lágrimas, baba e urina. Perdi!!!! Já não era eu. Prostei-me, desci os olhos para o piso lustroso do salão, deixei-me levar pelo estreito aberto no meio de uma plantação de pés, pernas, corpos e de sons indistintos, som de manada enfurecida.  Um soco no estomago, um chute, a rua, um corpo contra o poste e um amargo gosto de sangue.  Solidão .... Luana?  Luana? O pilar que sustenta a marquise também sustenta o homem e sua dor, o pilar que sustenta a marquise também sustenta a placa luminosa com a moça loira e garrafa de cerveja. A cerveja, cerveja a cerveja! Luana? Não, por favor, peça-me um suco de laranja. Sete minutos fora muito! Maldito barman! Estou morrendo de sede! Roubei da mão da moça loira a garrafa de cerveja, uma, duas, três....... Tumulto. Freadas. Corre a menina com a mochila, o homem de terno, a bengala que arrasta a idosa, o jornaleiro, o cão esfacela o saco de lixo, levanta a perna e rega o poste estéril. Fecha o sinal, abre o sinal. O cão continua cheirar. A bengala arrasta a idosa para o meio da rua. Um grito. Uma freada busca. O carro arrasta a bengala e a idosa. Tem sangue no meio da rua. Gente, mais gente, multidão! Sirene. Resgate. Luana? Estou morrendo de sede! No meio da calçada, no meio deserto que se fez em mim. A loira e a cerveja, o bar e a loira, a cerveja, eu! Não quero voltar. A idosa coberta de preto, protegida do sol. E a bengala no canto da sarjeta. A bengala arrastou a velha assim como eu carrego esta dor. Eu inventei Luana para mim! Luana inventou a dor. Não para ela, mas para mim. Onde está Luana! Meus Deus!!! A cidade inteira. Luana tem a cidade inteira e cidade tem Luana inteira! Onde? Luana? Já se passaram mais de oito minutos. Não consigo respirar .... dói ..... uma convulsão de soluços ...... Bêbados, grita a mulher e seu cão de estimação. Queria lhe dizer que ..... que importa? Ela está preocupada com seu cão tipo exportação.  O grupo de adolescentes passa, atira uma bola de goma de mascar no bêbado.  Quis xingar. Para quê?  Luana? Perdi! Perdi-me!


MAReis

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