quinta-feira, 7 de julho de 2011

Série Cafezais 7

Dore

É terra de todos os frutos, é mato que abriga a caça, água que alimenta peixe e empurra o rio da vida.  Não se traduz a natureza. Incorpora-se a ela, vive-se ela nos olhos e no tato. Dore é dessas pessoas que de tanto viver a natureza se fundiu a ela. Traz na alma e na pele as cores dos sois que esverdearam a imensidão dos cafezais. Uma simplicidade no trato com a vida que só se encontra nos versos do mestre Alberto Caeiro.  É assim este meu irmão, não quis as letras e nem os números, mas dominou como ninguém a língua dos pássaros, das árvores, do rio e dos animais silvestre. Aprendeu a ler a noite e suas luas, as estrelas e seus caminhos desenhados na imensidão do céu. Do ventre da terra arranca a doçura do curau, da pamonha e do bolo de milho verde. O mel, rouba-o das abelhas e o saboreia no favo, as folhas verdes, colhem-nas no fundo do quintal, os frutos, só os colhidos nos galhos envergados pelo peso da vida. Tem nos pés a ligeireza das lebres em fuga. Defuma o mundo com o cigarro de palha, a mesma palha que reúne as varas de pesca dos finais de semana nos rios e lagoas lodosas que matam a sede e enche de leite as tetas inchadas das vacas leiteiras. Traduz a vida em palavras e frases curtas, num murmúrio de serpente em forma de riachos que cortam o campo e esta saudade. Há entre mim e Dore uma cumplicidade germinada na infância, nos pecados repartidos, nos segredos cujas raízes atravessam o tempo e o espaço. Juntos, aprendemos a fazer o nó que não se solta, a enganar os peixes, a acuar a caça, a escalar as árvores e as primeiras formas de amar.  Juntos, aprendemos a criar as primeiras histórias e as primeiras brigas. Juntos, tentamos adestrar a bola, mas o café é feito do gesto repetitivo, mecânico e sem sentido, prefere ás mãos aos pés, fomos nos integrando à terra e aplaudindo outros pés.  No tempo, Dore foi se fazendo mais café e, eu, me distanciando dos cafezais, mas não do Dore, pois não se afasta daquilo que é parte de você. Ele, não sei, mas eu sou muito dele. Somos, apesar do café, metade de uma mesma história. Ele volta? É Claro que sim! É parte de mim!  É o laço mais forte que me prende as memórias dos cafezais e de suas presas.

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