sexta-feira, 1 de julho de 2011

Cafezais 5

Haydêe

Veio da elegância de meu avô materno, adestrado na arte do bom gosto tão apregoada no começo do século XX. Disseram-me que se trata de um nome francês, se verdade ou não, não sei, apenas acreditei e isto me basta. Haydêe é minha mãe, minha e de mais onze irmãos, sem contar os agregados. Amo-a ao meu modo e ela me amou ao modo dela. 
Minha mãe cantava cantigas cheias de saudades, não sei bem do que nem de quem. Era capaz de transformar marchinha carnavalesca em ladainha. 

Até seus trezes anos de idade, contou-me ela, fora tratada a pão de ló, depois a bofetada. A segunda grande guerra e outras aventuras de meu avo levaram a família à bancarrota e fez de minha mãe babá. Levou o primeiro tapa no rosto  de uma criança que cuidava, doeu tanto que chorou quase que uma noite inteira, não de dor, mas porque percebeu que há uma diferença imensa entre o pajear e o ser pajeada. Deve ter se acostumado aos tapas e aos gritos. Não me poupou de boas surras e de bons tapas. Tinha um humor oscilante, ia do agradável ao desagradável em questões de minutos. Chamava Genézio por Genaro quase que rotineiramente e, se por acaso você não atendesse ao chamado, mesmo que ela houvesse trocado o vocativo, desfiava um rosário de considerações sobre o óscio.

Minha mãe trazia nos olhos e no semblante uma história de força, de garra e de luta própria de mulheres cujas vidas sentiram o peso de uma época e de uma sociedade em que uns nasciam para as salas de aulas e outros para as culturas de café. Nasci para o café. Tinha o estomago fraco. Rebelei-me. E esse rebelar significou não me deixar lapidar para a derriça, para a poda, para a capina, para o bronzeamento crônico da pele. Significou projetar-me para além dos quarteirões infindáveis dos cafezais. Não quis viver neles, deles, para eles.

É desta revolta que nasceu o amor que sinto por minha mãe. Um amor não umbilical e que transcende o físico. Um amor que nasceu na leitura de seu grito. Ela escrevia o mundo em cores vivas, muito além do verde, num idioma permeado de metáforas que só podia ser traduzido pela linguagem da alma. Era um pedido de socorro. Vai, filho, fuja, antes que se transforme em café! A minha mãe não nasceu café. Diferente de mim e de meus irmãos, ela sabia que existiam outros sangues além da cafeína. Era Espírita, o que lhe dera a certeza de que pertencera à realeza em uma vida passada, e esta certeza lhe fez rainha. Minha mãe guardou a doçura das jabuticabas saboreadas na jabuticabeira, o azedume dos cajamangas fora de época, a acidez do limão cravo e a beleza dos laranjais em flor. Foi mãe!  Tenho tanto para falar dela, voltarei a falar dela. O certo é que este livro está todo impregnado dela.
MAReis

3 comentários:

  1. Oi tio! =)
    A tia zezé me mostrou seu blog hoje, vou passar a ler também =)
    Também tenho um, é o endereço do meu nome rs...
    Só para constar, Haydêe é um nome francês e significa Auxiliadora, Ajudante. Acho muito lindo =)

    Bjs... saudades

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  2. Olá Thais,
    Que bom te ver por aqui. Fiquei muito feliz. Espero acessar seu blog em breve.

    bjos

    MAReis

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  3. Parabéns, você conseguiu uma descrição bem singular dessa grande mulher, dona Haydee.
    Talvez eu não tenha o dom das palavras como você, mas isso não importa, né? Pois tive o privilégio de ter nascido do ventre dessa mulher e mais ainda pude me aninhar em seu peito e me sentir seguro do mundo e livres dos meus medos por muitas vezes.
    Mano que saudades dela....
    André Luiz

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